segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Engolidos pelo progresso

Sabá
Seu Sabá: pescador, agricultor e guia turístico ameaçado de remoção

Esta é a primeira matéria de uma série que conta a história de brasileiros que foram ou serão desalojados de suas casas por conta de novos megaempreendimentos. Os textos serão publicados nas segundas-feiras.

Chico Alves
Fotos: Nilson Vieira e Emi Okada Pereira

Fica na cidade paraense de Santarém um recanto de paisagem intocada, o Lago do Maicá. Para chegar até lá é preciso percorrer o Rio Amazonas de barco por 20 minutos.  O site da Secretaria de Turismo da cidade informa que “a área de várzea, mais do que um paraíso aquático, é um importante berçário para centenas de espécies”, especialmente a piranha preta. Para apresentar o lago ao visitante, não tem ninguém melhor que Sabá. Trata-se de um simpático pescador de 58 anos, que também trabalha como agricultor e guia turístico. Nos últimos dias, Sabá tem andado triste, preocupado. Morador do local há 30 anos, está ameaçado de remoção.
O que faz perigar a permanência várias famílias naquele lugar paradisíaco é a instalação de um porto graneleiro, especialmente para armazenamento de soja. Apesar das três décadas de vida no lago, há muito tempo Sabá luta em vão para conseguir o documento de posse da sua casa. Foi surpreendido recentemente  com a notícia de que a empresa que pretende construir o porto apresentou um documento de propriedade. “Não quero sair, gosto muito disso aqui”, diz ele, com sua voz mansa. Sabá não está preocupado apenas com o seu problema. Ele teme pelo lago. “Disseram que vão aterrar tudo, vão acabar com os igarapés”.
Sabá 3
O melhor guia para conhecer as belezas do Lago do Maicá, em Santarém

Se isso acontecer, tanto o homem quanto a natureza vão ter enormes prejuízos. Boa parte da fauna e da flora será destruída e os moradores perderão seu sustento. Os 487 pescadores do lugar são responsáveis por 30% do pescado que abastece a cidade. Com o porto, a área será privatizada e eles terão acesso restrito ao lago. Os que conseguirem, serão obrigados a dividir o espaço de trabalho com navios gigantescos e contêineres.
Não seria nenhuma surpresa para quem conhece os vários golpes desfechados contra a ecologia de Santarém. A jornalista e advogada Franssinete Florenzano faz em seu blog um breve histórico dos últimos empreendimentos desastrosos para a natureza: “O aeroporto internacional foi construído em cima da praia da Maria José. O terminal graneleiro da Cargill foi erguido em plena orla da cidade, sem qualquer estudo de impacto ambiental”, escreve ela. O resultado: “Igarapés assoreados, o lago do Juá contaminado, o próprio Rio Tapajós – eleito o mais belo do mundo – sob ameaça constante dos rejeitos de ouro lavado dos garimpos da região”.   Há ainda planos de instalação de três grandes portos graneleiros e uma linha férrea com o objetivo escoar a produção de cerca de 16 milhões de toneladas de grãos e produtos primários. O alvo, agora, é o Lago do Maicá.
No entorno do espelho d’água havia dez famílias e hoje só existem três. As outras aceitaram a proposta da empresa e foram embora. “Eles não fizerem nenhuma oferta pra mim ainda. Se fizerem, não vou aceitar”. Há dois anos, a Empresa Brasileira de Portos em Santarém faz estudos sobre a viabilidade de construir no local um terminal de portos, o que afetará também comunidades quilombolas e indígenas. Ações de reintegração de posse e de usucapião tentam expulsar as famílias tradicionais.

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A casa e o barco de Sabá, no Lago do Maicá.
A construção dos portos graneleiros não foi anunciada oficialmente, pois falta a aprovação do Estudo de Impacto Ambiental, que está sob análise na Secretaria estadual de Meio Ambiente do Pará. Além disso, o Lago do Maicá é uma Área de Proteção Ambiental. No entanto, um projeto de lei que retira  essa classificação tramita na Câmara Municipal. Enquanto isso, ações Civis Públicas protocoladas tanto no Ministério Público do Estado quando no Federal tentam impedir a devastação.
Sabá mora no lago com a mulher, Dona Juce. Ali, eles criaram os quatro filhos. O pescador se define como um amante da natureza, “metido a índio”, que por volta de duas da madrugada está de pé, pronto para começar a trabalhar. Não tem TV em casa. Todas as informações chegam até ele através do programa “A Voz do Brasil”, que ouve diariamente no seu rádio, em AM.  O maior prazer do pescador e guia turístico é sair de barco, para desfrutar a beleza natural do lugar. Não sabe por quanto tempo continuará a poder fazer isso. “Peço ao prefeito que deixe a gente sossegado na nossa terrinha”, apela. Nos próximos meses, todos saberemos se desejo de Sabá será atendido.
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