Cachoeira e Torres |
O colega Jayme Campos, senador pelo Mato Grosso, enxergou na calva do
colega uma juba invisível: “Vamos saudar nosso candidato a presidente,
Demóstenes Torres.” Seguiram-se aplausos efusivos. Decorridos três escassos
meses, Demóstenes parece mais próximo da renúncia ao Senado. Um cacique do
DEM que ajudou a engrossar as palmas lamentava, na noite passada: “Nossa aposta
virou cachorro morto.”
Um momento crucial das biografias é o encontro do homem com seu erro.
Demóstenes avistou-se com o erro, constatam todos os que o conhecem –ou
imaginavam conhecer— no instante em que aproximou sua biografia à folha corrida
do contraventor Carlinhos Cachoeira.
Se a atuação de Demóstenes no Senado ensinou alguma coisa, é a não
esperar qualquer tipo de intenção altruísta de personagens como Cachoeira.
Quando se achegam a pessoas influentes, não buscam amizade, mas o intercâmbio
de favores que lhes facilitem a sobrevivência.
Em conversa com um amigo, José Agripino Maia, o presidente do DEM,
lamentou: “Abriu-se um abismo entre o discurso do Demóstenes e a prática”
insinuada nas páginas dos documentos da Polícia Federal.
Outra voz influente do partido espanta-se com o abatimento de
Demóstenes. “Nas conversas conosco, ele não consegue passar segurança em
relação ao que está por vir”. Pedro Taques (PDT-MT), um senador que tocava na
banda de Demóstenes, choca-se com o já visto: “É muito grave”.
Demóstenes não possui estatura avantajada. Antes atarracado, ganhou
aparência franzina depois de um regime seguido de cirurgia. Agigantava-se,
porém, no meio de um Senado majoritariamente composto de pequenos homens.
Batizado com nome de orador grego (Δημοσθένης, na grafia original),
Demóstenes esbanjava eloquência de linguagem. Afigurava-se tão dotado de
valores morais e princípios éticos que deixava antever um roteiro inevitável.
Assim como a primavera se sucede ao inverno e o verão vem depois da
primavera, assim também a carreira política do advogado Demóstenes –ex-delegado
de polícia, ex-secretário de Segurança de Goiás e promotor de Justiça
licenciado— o conduziria às mais altas funções da República.
Foi então que se descobriu que o senador já se havia encontrado com seu
erro. Não foi nenhum golpe de azar. Carlinhos Cachoeira tornara-se
nacionalmente conhecido em 2004. Aparecera em vídeo oferecendo propina a
Waldomiro Diniz, protagonista do primeiro escândalo da Era Lula.
No campo jurídico, ensina o colega Pedro Taques, ex-procurador da
República, Demóstenes é credor do beneficío da dúvida e do direito ao
contraditório. Porém, no universo da política, a simples proximidade com
Cachoeira, por inqualificável, tornou-se fácil de qualificar.
A coisa pareceu impensável quando se descobriu que o senador recebera do
contraventor uma geladeira e um fogão importados. Da tribuna, Demóstenes
admitiu, em discurso de 6 de março, a amizade tóxica. Disse que as peças de
cozinha foram presentes de casamento. A “boa educação” o impedira de recusar.
Do impensável, foi-se ao inacreditável. O senador reconheceu dias depois
que se comunicava com o malfeitor por meio de um aparelho de rádio antigrampo
habilitado em Miami. Espanto, pasmo, estupefação! Que conversas teria alguém
com nome de orador grego com um Cachoeira cuja atividade é uma cascata de
ilegalidades?
Prevalecendo sobre o equipamento, a Polícia Federal escutou três
centenas de diálogos. Do inacreditável, evoluiu-se para o inaceitável.
Relatório policial enviado à Procuradria-Geral da República em setembro de 2009
informou que a voz de Demóstenes soou num grampo pedindo a Cachoeira R$ 3 mil
para pagar uma fatura de táxi aéreo.
Senadores que haviam se solidarizado com Demóstenes no discurso da
geladeira e do fogão passaram a cobrar dele um comportamento de Demóstenes.
Exigiram novas explicações. Agripino apressou-se em expressar o “incômodo” que
a “dúvida” instila no DEM.
Nesta terça (27), exilado em seu gabinete, um Demóstenes silencioso
falou por escrito. Redigiu dois ofícios. Num, informou a Agripino sua decisão
de renunciar à liderança do DEM. Noutro, esclareceu a José Sarney, presidente
do Senado, que só voltará à tribuna depois de conhecer o inteiro teor das
acusações que o espreitam.
O político celebrado como “candidato a presidente” na convenção de
dezembro tornou-se pré-candidato a réu. Com atraso de dois anos e meio, o
procurador-geral da República Roberto Gurgel requereu ao STF a abertura de
inquérito contra Demóstenes e outros políticos pilhados nas escutas da PF.
Demóstenes, o promotor, sabe que tudo o que for dito agora por
Demóstenes, o senador, poderá ser usado num futuro próximo contra Demóstenes, o
potencial denunciado. Por isso, o orador loquaz dá lugar ao advogado cauteloso.
Considerando-se os dois campos esboçados pelo ex-procurador Pedro Taques
–o mundo dos tribunais e o universo do Legislativo— a nova tática de Demóstenes
pode ser útil à formulação de sua defesa. Como estratégia política, o silêncio
faz dele um senador hemorrágico.
A única vez em que o DEM teve candidato próprio ao Planalto foi em 1989.
Numa época em que ainda se chamava PFL, a legenda foi às urnas representada por
Aureliano Chaves. Amealhou ridículos 0,9% dos votos. Terminou em oitavo lugar.
Desde então, o ex-pefelê frequenta a cena política como força auxiliar
do tucanato. Esvaziado pelo PSD do desertor Gilberto Kassab, o DEM –ou um
pedaço expressivo do partido— via em Demóstenes um projeto de alforria.
Ao encontrar-se com seu erro, Demóstenes tornou-se uma espécie de ex-Demóstenes.
E o DEM voltou a flertar com o seu destino de “rabo de leão.” Dependendo de
como terminar a administração Dilma Rousseff, pode ter de associar-se a um PSDB
sem juba.
Quanto a Demóstenes, está como que condenado ao mesmo tipo de tratamento
que costumava dispensar aos transgressores que tinham o azar de cruzar-lhe o
caminho. Ao misturar-se com Cachoeira, o ex-presidenciável tropeçou no erro.
Passou adiante, sem desconfiar de que o erro é o erro. Sendo quem era, deveria
ter olhado para o erro e proclamado: “Ali está o erro”.
Fonte:Blog do Josias de Sousa
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Caro leitor por favor assine o comentário, pois não publicaremos comentários de anônimo